Vanessa Silla chama atenção para consumo excessivo de internet em ‘Laila’
O romance ‘Laila’, da escritora , é uma montanha-russa emocional sobre a vida de uma garota viciada em redes sociais. Ao se deparar com um país com língua, costumes e cultura muito diferentes dos dela, a influencer terá de aceitar que a vida é muito mais do que uma tela de celular.
Como punição por expor a carreira do pai, a famosa influencer Laila é obrigada a fazer uma viagem para um detox da internet. Acontece que ela acaba indo parar no Marrocos e é surpreendida por uma condição de saúde no meio do deserto. Sozinha e sofrendo com as diferenças culturais, a jovem entenderá que sua personalidade é tão superficial quanto tudo o que expõe em seu canal no YouTube.
Com um texto ágil e inspirado no conteúdo que as novas gerações produzem para as redes sociais, Vanessa conduz o leitor com sacadas bem-humoradas, situações dramáticas e questões sociais profundas. Doutora em escrita criativa, a autora também apresenta uma sensível prosa poética ao descrever as belíssimas imagens do Marrocos, que presenciou em uma viagem. Confira a entrevista!
Lançada recentemente, ‘Laila’ conta a experiência de uma adolescente que é obrigada a fazer um verdadeiro detox do mundo digital. De onde veio a ideia para a criação dessa narrativa e que mensagem deseja transmitir?
A ideia surgiu da interação com as redes sociais, pois estou circulando constantemente por lá e acredito que estamos desenvolvendo vidas duplas, fato que o Metaverso cuidará de consolidar. O escritor é uma figura que hoje precisa trabalhar melhor sua imagem como autor, e isso nada mais é do que a construção de uma vida artística, que algumas editoras já exigem.
Isso me levou a olhar mais de perto a internet, o tempo que passamos debruçados online aumentou ainda mais durante a pandemia, consequentemente nos tornamos mais dependentes da tecnologia. Assistir youtubers e analisar o comportamento nas redes sociais foi o caminho que me levou ao sinal vermelho: o vício.
Foram as pesquisas e as assustadoras horas ‘vivendo’ na internet que me chamaram para contar a história de Laila. Então decidi que ela precisaria transmitir esse excesso e a desintoxicação veio como consequência. É preciso chamar a atenção para esse problema, a ficção faz isso muito bem, muitas vezes o escritor é ‘escolhido’ pelo tema, aceitei o convite.
A tecnologia em nosso mundo já se tornou algo literalmente insubstituível na vida de muitos, porém, muito se alerta sobre seu uso excessivo. Na sua opinião, em consideração com a geração de hoje, ela pode passar de auxiliar para vilã? Acredita que possa haver exageros nessas críticas também?
Eu acredito na responsabilidade – sempre. Temos que aprender a dosar as coisas, inclusive em tecnologia. O uso excessivo sempre nos prejudica.
A tecnologia é uma ferramenta espetacular e se torna vilã quando se torna mais um instrumento de destruição, uma arma poderosa, que como tantas outras desenvolve, porque tem os seres humanos com más intenções que a utilizam. A crítica desempenha seu papel, mas às vezes pode estar desequilibrada. O assunto exige muito mais cautela do que se supõe.
A geração de hoje está experenciando essa vivência online e ainda não sabe a medida certa, mas só o tempo vai ensinar. Às vezes, os jovens sabem se proteger muito melhor do que os adultos na internet. Todo instrumento de comunicação pode ser um vilão, todos os excessos, como já sabemos, são falta de algo. Então, eu acho que conscientizar os jovens pode ser um bom passo, e a leitura é sem dúvida redentora, pois é o que permite que os jovens pensem bem, façam escolhas corretas, enfrentem críticas e projetem destinos importantes para o país.
Além da mensagem do uso da tecnologia, o seu livro acaba nos trazendo um pensamento muito maior do que o mundo que vivemos, como é a descoberta da protagonista em Marrocos. O que acredita ser de todo esse cenário superficial que criamos de nossas próprias vidas?
Diz-se que a arte existe porque não temos consciência da realidade. É preciso considerar que toda criatividade vem desse desconforto de aceitar o que já existe. Nesse sentido, considero o cenário superficial um passo. Entender que a tecnologia faz parte do nosso desenvolvimento humano nos traz uma calma tranquilizadora. Acontece que a darkweb avança sem freios, é mais rápido do que podemos processar. Precisamos de muito mais horas por semana para lidar com os inúmeros aplicativos que aparecem a cada momento, por exemplo.
Laila é um pouco dessas incapacidades e rasteja em direção a descobertas assustadoras quando percebe que grande parte de sua história como youtuber é fake. O cenário artificial que ela construiu para si mesma é tão falso quanto os likes que ela recebe. O que pretendo abordar nesta narrativa ficcional é um alerta para o perigo das relações instantâneas, mas também trago a crueldade da mentira que sempre fez parte do ser humano e não foi criada a partir do uso da tecnologia.
Acho que todo o gigantesco universo da internet acolhe nossa maior necessidade e faz uma tele-entrega constante e intensa daquilo que mais buscamos: ser aprovado, ser amado, ser compreendido.
Como escritora, acredita que uma das missões pela qual devemos a existência da literatura seja essa questão de utilizarmos de seu poder de conscientização?
Sem dúvida. Repito o clichê de que uma das maiores funções de uma boa história é criar empatia no leitor, e essa virtude está no cinema, na arte e nas plataformas digitais. Escrever é uma bela maneira de elevar os sentimentos para tocar as pessoas de uma maneira diferente. Todo o romance Laila foi escrito para emocionar os leitores, para conscientizar as pessoas a não construir conteúdos que não respeitem a diversidade. A internet é um espaço virtual democrático como um grande aeroporto internacional e comunitário, lança voos maravilhosos e fatais. Portanto, a superexposição é um problema perigoso e escorregadio que precisa de olhos atentos e bom senso, como tudo na vida.
Assim como todo adolescente da geração atual, Laila também está ativamente presente nas redes sociais apresentando sua vida sempre com muitos filtros para seus seguidores. Acredita que essa artificialização possa acabar virando um início para doenças como depressão e ainda ser um sinal de insatisfação da própria realidade?
Certamente essa relação aparentemente epidérmica com as redes sociais é uma brecha na autoestima das pessoas. A depressão é boa em ficar nos cantos mais secretos dos internautas. Se o mercado de grandes marcas hoje valida seu produto em influenciadores com mais seguidores, só para citar um exemplo, a grande maioria das garotas vai querer ter muitos seguidores para receber essa notoriedade de presente, e por que não tanto dinheiro? Laila em sua jornada ganha mais dinheiro do que muitos médicos que trabalham de domingo a domingo no hospital onde seu pai trabalha.
No momento em que você tem acesso a essas possibilidades, você começa a desejá-las. Aqui estou falando em termos gerais e me baseando em um país com sérias antíteses como o Brasil. Se você quer ser um jogador de futebol famoso, precisa ter as habilidades e talentos esportivos que treinará mais tarde. Nem todo mundo nasce com esse talento. Mas se você quer ser um influenciador, tudo o que você precisa fazer é se esforçar bastante nas postagens no instagram ou no TikTok; Explico novamente: não estou menosprezando ou banalizando influenciadores. Então, se você está em um país onde o acesso à educação é escasso, ter o sonho de ficar famoso e rico não é uma surpresa. Aliciar uma mulher online é muito fácil. Um traficante recebe RS 47.000 apenas na comissão inicial.
A gente junta uma vontade forte de ser aceito, uma realidade insatisfatória, um dado que você coloca na internet, o uso de filtros e a mágica está feita! O coelho nem sempre se esconde na cartola, Laila que diga.
Diferente das gerações de nossos pais, muitos de nossos jovens de hoje costumam medir suas vidas através da ostentação material, dos números de curtidas e seguidores. Como enxerga o futuro desses internautas e como a literatura adequada pode ajudar a ‘salvá-los’?
Não tenho respostas definitivas, apenas trago reflexões e todas elas estão no livro. Estamos diante de jovens com múltiplas dificuldades em lidar com as frustrações e estamos vivendo um momento delicado na civilização. O mundo consome tecnologia e não para de se criar. O que fazer com um jovem para evitar todos esses aspectos nocivos da internet? Vale a pena não incentivar o uso de celulares, tablets, computadores? Até que ponto podemos protegê-los se o planeta pulsa dentro dos aplicativos? Estas são apenas três perguntas básicas – eu tenho milhares. Difícil não desejar o mais recente iPhone da Apple. Você não quer?
Tentação é celebridade! O que quero provocar é a ideia de que temos que equilibrar todas essas ofertas atraentes e traiçoeiras. Precisamos ajudar as pessoas a entender melhor essas novas regras da contemporaneidade. Não estamos prontos para experimentar essa quantidade absurda de novos estímulos. A economia criativa invadiu os países, os jovens são muito criativos, e essa criatividade agora é muito bem paga. O que resta para a literatura? Resta adaptar, permitir o trânsito também nos tentáculos virtuais, resta produzir e registrar esses novos conflitos. Seja meme, videogame, fanfic, tudo é literatura.
A respeito da construção de sua narrativa, como foi a elaboração da protagonista e que episódios e observações a fizeram chegar em quem se tornou a Laila? Existe muito dela em você?
A construção de Laila foi muito orgânica. Foi surgindo aos poucos e fui decifrando à medida que a história ia sendo criada. Desvelar camadas sempre faz parte do ofício da escrita, principalmente a ficcional. De vez em quando eu criava desordens, medos, ousadia e irreverência de Laila. Antes, porém, pesquisei bastante para entender como vivem os influenciadores, como os jovens se divertem como monetizam na web e apesar de todos os assuntos discutidos aqui antes, confesso: gosto muito deles.
Nesse sentido, há muito de Laila em mim e pouco de mim nela. Justamente por pertencer a uma geração completamente diferente da dela, optei por criar essa personagem central. O romance também fez parte do meu percurso literário, pois foi uma das condições para a conclusão do doutorado em Escrita Criativa.
Os capítulos tiveram uma velocidade bem parecida com o que é produzido na Netflix, a trama engloba vários conflitos, os personagens secundários foram invadindo a história mesmo tendo feito um planejamento cuidadoso da trama.
Quando estive em Marrocos, especificamente na Medina De Fez, sabia que queria escrever sobre o desaparecimento de uma pessoa, sobre a dor de perder uma pessoa viva, sobre o tráfico de seres humanos. Então descobri que o Marrocos desmantelou mais de 100 redes de tráfico para a Europa em 2014, mas elas não são destinadas apenas àquela parte do mundo, o Brasil é outro destino. Aqui está outra parte do processo criativo de Laila. Mas são muitos, foi um trabalho muito desafiador, intenso e apaixonante.
Apesar de ser um livro bastante voltado aos jovens, a obra traz assuntos bastante delicados como é o caso do tráfico humano. Como foi transpor todas essas situações para uma linguagem mais leve para os jovens? O livro chega a colocar algum tipo de medo?
Excelente observação. O livro foi pensado para ter uma leveza aparente com a extrema gravidade do assunto: Tráfico Humano. Tive que pesquisar bastante nas redes sociais para aproximar a linguagem da personagem da trama, mas os termos mudavam o tempo todo e chegou um momento em que optei por não atualizar mais a fala. A linguagem decifra a vida e está sempre em modo rápido.
O romance espera encontrar um público-alvo de jovens adultos, mas acredito que seja muito importante para os mais velhos. Os jovens são muito mais espertos ao postar na internet porque estão mais acostumados, enquanto os mais velhos continuam postando fotos de seus netos no Facebook. Os traficantes estão de plantão, um bebê inocente pode valer US$ 120.000.
Doutora em escrita criativa, você é formada em Letras, com Especialização em Literatura Brasileira e tem Mestrado e Doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. Nasceu em Porto Alegre (RS). No começo, o que mais a atraiu para a escrita?
Sempre fui de falar menos e ler mais. Quando eu era pequena, costumava recortar cenas de pessoas ou paisagens de revistas antigas e gostava de colá-las em um caderno velho. Achei que precisavam de uma história, e foi assim que construí meu primeiro ‘livro’.
O que mais me atraiu na Escrita Criativa foi a possibilidade de experimentar técnicas literárias, de ampliar minha carga de leitura, de discutir com mestres da literatura os textos lidos e produzidos. Foi na PUCRS que encontrei o espaço ideal para vivenciar processos criativos e compartilhar com grandes colegas escritores um pouco desse infinito mundo criativo-literário.
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