Bárbara Caldas se reúne a grandes nomes em seu mais novo livro: ‘Rio de Contos’

Bárbara Cortese Caldas é escritora, autora dos livros ‘O apartamento de baixo’ (Mater 2004), ‘Seu Zé’, finalista do Prêmio Rio e Literatura na categoria Novo Autor Fluminense – 2017, e ‘Carta à Cláudia’, um projeto que tem ainda 7 podcasts e um curta metragem.

O encontro de 25 talentos incógnitos fluminenses e a produção das histórias focadas em vivências negras, LGBTQIA+ e femininas apresentadas no livro Rio de Contos são resultados do prêmio literário de mesmo nome que apresenta o estado do Rio de Janeiro pela ótica da diversidade. A obra, inédita, conta com o endosso do professor Pasquale Cipro, um dos grandes mestres da língua portuguesa da atualidade.

Taís Victa, mulher surda oralizada, participante do mulherio das Letras Rio, coletivo literário que reúne mulheres escritoras e artistas, Sueka, pessoa trans não binária, mestranda em Saúde Pública e Luiz Henrique Romagnolli, jornalista com passagens por veículos do Grupo Globo, são alguns dos autores que assinam os textos desta coletânea de contos. Confira a entrevista!

Infelizmente na sociedade em que vivemos, tem se tornado cada vez mais recorrente os casos de preconceitos, e o seu projeto trata exatamente dessa questão. Como enxergou a necessidade da abordagem do tema através dos meios culturais? Vocês já se conheciam antes do projeto?

A minha impressão na realidade não é a de que os casos de preconceito tenham se tornado mais recorrentes, mas sim a de que estamos falando mais sobre isso, de modo que esses casos não passam mais despercebidos como historicamente sempre passaram. O preconceito tem sido combatido, tanto pelos grupos que majoritariamente o sofrem, mas também por grupos que, mesmo não o sofrendo, sentem a necessidade de também reagir. E isso causa a impressão do aumento dos casos, mas o que de fato tem acontecido, ao meu ver, é o aumento do combate ao preconceito, o que é bom.

E a cultura e as artes não são imunes a esse movimento, muito pelo contrário, dialogam diretamente com ele. Eu trabalho com projetos relacionados ao livro e à literatura há quase 20 anos, de certo modo sempre abordando questões relacionadas ao preconceito, mas o Prêmio Rio de Contos realmente é o meu projeto, em termos de espectro de pessoas, com o trabalho de inclusão mais significativo até agora.  Os autores e autoras são selecionados a partir de um concurso de contos para o todo o estado do Rio de Janeiro, e até agora não aconteceu do corpo de jurados selecionar alguém que eu já conhecesse.

Considerado um dos grandes nomes da educação na língua portuguesa, a sua obra contou com o endosso do Professor Pasquale Cipro. Como foi trabalhar em colaboração com ele e como veio a oportunidade?

Eu conheço o Pasquale praticamente a vida inteira, então incluí-lo no Rio de Contos acabou sendo um movimento natural, até porque ele, além de ser esse grande mestre da língua portuguesa, é um homem, um cidadão, muito preocupado e sensível às questões sociais e também brasileiras, e dialoga com todas essas questões contemporâneas que nos cercam.

E mesmo nos meus projetos nos quais ele não tenha uma função específica – no Prêmio Rio de Contos ele faz parte do grupo de profissionais que trabalham diretamente nas atividades voltadas para a formação dos nossos autores selecionados -, é comum eu recorrer a ele como uma espécie de conselheiro, ou mesmo só pra dar um ou outro pitaco. É um luxo.

A informação trazida pelas pessoas que vivenciam o preconceito na pele é extremamente relevante. Qual a importância de um lançamento como esse não só para pessoas diversas (negras, mulheres, LGBTQIA+, surdas) mas também para a sociedade como um todo?

Boa parte dos textos do Rio de Contos trazem essas questões, que precisam sim ser abraçadas pela sociedade. Mas, para além dos textos, quando fazemos, por exemplo, uma mesa com esses autores e autoras, as próprias vozes – e corpos – deles na interlocução direta com o público acaba adquirindo uma potência incrível. Acabamos de fazer uma mesa com 7 dos nossos autores e autoras num evento literário na Baixada Fluminense, tendo na plateia um número interessante de estudantes do Ensino Médio de escolas públicas. Quando percebi, aconteceu de entre esses autores haver uma maioria de pretos e LGBTQIA+. Não foi programado, calhou de que os que puderam ir no dia serem esses. E isso é que é fantástico: foi natural, não era uma mesa temática sobre literatura com narrativas negras ou LGBTQUIA+, estávamos lá para falar de literatura e assim fizemos, mas a potência simbólica daqueles corpos ali, com microfone e voz, é do que nós, como povo, como sociedade, precisamos. E o encantamento daqueles adolescentes da plateia com essa experiência foi evidente.

Como é a relação entre você e a autora Taís Victa, integrante do mulherio das Letras Rio? Há influência e apoio desse coletivo no projeto?

A minha relação com a Taís, no campo pessoal, é de uma amizade e carinho que foram construídos em todo o processo de convivência e trabalho conjunto nas atividades do Prêmio, e principalmente no processo de amadurecimento e reescrita de cada conto selecionado, uma vez que quem faz as mentorias e trabalha individualmente com cada autor e autora sou eu.

Porém a Taís, por ser surda, além da amizade natural que construímos ao longo processo, me faz ter um com ela um cuidado, uma atenção maior. Primeiro tive que entender as suas necessidades. Ela é surda oralizada, com uma audição baixa, mas não alfabetizada em LIBRAS, o que a faz recorrer à leitura labial. Então todas as aulas gravadas foram legendadas em português para ela, e nas atividades ao vivo, que eram coletivas, havia sempre a orientação e o esforço conjunto de falarmos bem posicionados na câmera, com a dicção bem elaborada, evitando de falar rápido. Paralelamente, a equipe do Prêmio ficava à disposição dela pelo whatsapp, casso ela perdesse algo e pedisse alguma explicação, mas raríssimas vezes ela recorreu a isso, o que me faz pensar que conseguimos criar um ambiente no qual ela conseguiu aproveitar 100% de todas as vivências e conteúdos. Quanto ao coletivo Mulherio das Letras, pelo qual nutro uma grande admiração, não houve influência ou contato algum com ele.

Idealizado por você, o Prêmio Rio de Contos tem incentivado a democratização ao acesso à literatura há mais de 17 anos. De onde surgiu a ideia da premiação e qual acredita ser seu impacto na cultura brasileira, tanto para os autores como para escritores?

Eu trabalho com projetos na área do livro há 17 anos. Além disso fui Conselheira de Cultura do RJ por Literatura e liderei o grupo de trabalho que construiu o Plano Estadual do Livro e Leitura RJ, já tornado lei pela ALERJ. Entender que ações de fomento à leitura devem andar de mãos dadas com o fomento a quem escreve foi um caminho natural nessa trajetória. Disso nasceu o Prêmio Rio de Contos, que teve sua primeira edição em 2020, em plena pandemia, e nesse momento está na 3ª Edição. Tenho lutado muito para um movimento de regionalização e nacionalização da nossa literatura. Acho importante, claro, haver políticas – que foram descontinuadas – de internacionalização da nossa literatura, mas, por outro lado, acho que isso é colocar um pouco a carroça na frente dos bois: nós precisamos nos ler, ouvir as nossas vozes criativas contemporâneas, antes de querermos ser lidos pelos de fora. A literatura é uma ferramenta poderosa de autoconhecimento e autorreflexão de um povo, além de ser também fundamental para a construção de um pensamento crítico. Eu falo com muita tranquilidade que o Prêmio Rio de Contos é um trabalho inédito, que tem figurado como a mais importante ação de fomento à literatura produzida no estado do Rio de Janeiro, seja por pessoas nascidas aqui ou não, mas devemos entender essa literatura, acima de tudo, como brasileira. Lançamos agora o primeiro livro e o meu objetivo é que comecemos a ser lidos nas escolas e universidades, e temos muito trabalho pela frente nesse sentido. O Rio, o Brasil e a sociedade como um todo, ao meu ver, só têm a ganhar.

O livro contém 25 contos com narrativas sobre o ponto de vista de cada autor presente. Como foi o processo seletivo para os escritores que colocaram seus textos no projeto?

Abrimos o primeiro processo seletivo em novembro de 2020 por meio virtual, voltado para pessoas residentes em todo o estado do Rio de Janeiro. Deu um frio na barriga, e veio o pensamento: ‘ e se ninguém se inscrever?  E se esse trabalho elaborado com tanto apuro não reverberar?’. Mas não… Logo na primeira edição tivemos 480 inscrições, vindas de mais de 1/3 do estado do RJ, e esses números só têm crescido. O tema para os contos enviados é livre, justamente para termos essa diversidade de narrativas. E nosso corpo de jurados, composto por escritores consagrados, jornalistas e acadêmicos, recebe a orientação de selecionar pessoas do interior, da Baixada e do Leste Fluminense na região metropolitana do RJ e de todas as zonas da capital. São orientados também a selecionarem com o máximo de equilíbrio entre homens e mulheres, brancos e negros, pessoas de todas as faixas etárias (na primeira edição tivemos selecionados da casa dos 20 à dos 80 anos de idade) e com uma significativa representatividade LGBTQIA+. Tudo isso atrelado à qualidade literária do texto. É pedreira, uma conta complicada de fechar, por isso geralmente os 20 selecionados previstos inicialmente no regulamento têm sistematicamente aumentado para 25, e 26 nessa última edição. É importante dizer que selecionamos contos, mas também pessoas.  

Além de autora, a sua carreira já navegou entre vários outros tipos de atividades artísticas, tais como podcasts e curtas no cinema. Como avalia a participação da arte na sua vida?

Dedico minha vida à cultura e à arte já há quase 20 anos. E um segmento artístico não anda e não deve andar sozinho, mas sempre em troca e diálogo constante com outras expressões artísticas. Eu, como escritora, gosto muito de transitar por outras linguagens, embora tenha sempre a literatura como ponto central da minha produção. Ano passado, pela Lei Aldir Blanc, por exemplo, lancei o ‘Carta `Cláudia’, um projeto autoral meu no qual escrevo uma carta à única menina preta na sala de aula da minha então segunda série do ensino primário, em 1985, e de quem nunca mais tive notícias. Essa carta se transformou em livro, e dele foi produzido um belíssimo curta metragem e uma série de 7 podcasts, nos quais, na falta da interlocução direta com a Cláudia propriamente dita, estabeleço uma conversa sobre o racismo estrutural com 7 mulheres negras, todas personalidades, mulheres públicas, que foram desde a Mirtes Renata, que perdeu seu filho durante a pandemia, caído do prédio onde trabalhava ao deixa-lo aos cuidados de sua patroa para passear com o cachorro, uma história que todos conhecemos, até Flávia Oliveira, jornalista da Globo News. Foi uma experiência incrível realizar esse projeto em tantas linguagens, e todos os que participaram ficaram muito inspirados. Me deixou um gostinho de ‘quero mais’. E isso é arte em toda a sua potência. Viver sem arte, pra mim, é viver sem ar. Ou seja: é não viver.

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*Com Regina Soares e Letícia Cleto

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