Karla Hill realça importância da luta contra a objetificação das mulheres através da música
Depois de mostrar os primeiros passos da sua carreira musical solo com o single de estreia ‘Coragem’, amplia sua sonoridade e estética em uma canção também de letra marcante. ‘Não (Not this kind of girl)’ é um grito de basta, um desabafo em forma de música dançante que traduz os desafios de habitar um corpo feminino. A produção musical é da elogiada artista Vivian Kuczynski, e a faixa já está disponível para streaming, juntamente de um visualizer no YouTube.
‘Não (Not this kind of girl)’ é uma música de contrastes. Se o primeiro single trazia um pop mais adocicado e uma dose de coragem, em ‘Não’ tudo o que deixou de ser dito antes é deixado às claras. Além dos vocais marcantes, a sonoridade traz muito dos anos 80, com seus sintetizadores e experimentações eletrônicas.
Natural de Santa Catarina, Karla Hill começou sua formação artística pela música, cantando em corais e palcos pelo Brasil, Argentina e África do Sul. Já adolescente, mudou-se para Curitiba, onde formou a banda Paranoika, atuando como vocalista e compositora e com a qual realizou uma turnê pela Holanda em 2013. No ano seguinte, sentindo a necessidade de se aperfeiçoar no palco, ela se mudou para São Paulo e começou a estudar teatro. Desde então, apaixonou-se pelo ofício e decidiu levar as duas carreiras em paralelo. Confira a entrevista!
Claramente, ‘Não (Not this kind of girl)’ é sobre a objetificação da mulher, a letra foi escrita para uma situação específica? Em que momento você sentiu que precisava gritar ‘Não’ e transformá-la em melodia?
Eu compus essa música no final de 2019. No início, eu tinha o refrão bem claro na minha cabeça, mas a letra veio depois. Nesse mesmo ano, além de ter passado por uma situação de assédio que mexeu muito comigo (dentre tantas que já vivenciei), eu estreei uma peça baseada nas obras da cineasta francesa Agnès Varda. A temática da peça era justamente sobre ser mulher, tendo a Varda como referência: uma artista da Nouvelle Vague nos anos 50, sendo a única mulher que se manteve firme e fez sua obra perpetuar até hoje com sua personalidade e sensibilidade. Aquilo já estava me rodeando há um ano e meio (tempo de ensaios e estreia), então acredito que a música foi mais uma maneira de me expressar sobre esse assunto. Acho que uma peça não foi suficiente.
Muitas de suas composições acabam por refletir bastante os seus pontos de vista a respeito de situações atuais na sociedade, tais como todos os casos que as mulheres passam no dia a dia. Podemos esperar que as próximas músicas contem sua trajetória?
Poderia falar de coisas que eu e amigas vivenciam, mas não gostaria de ficar monotemática. A música vem e muitas vezes a temática é outra. Eu aceito esse processo com naturalidade. Não imponho o tema. Por exemplo: também quero e vou falar de amor. Mas sou mulher e vivo num momento onde tudo que a gente viveu e vive precisa ser debatido. Então, sim: em algum momento, posso voltar a este tema.
Realizando novos experimentos e sensações musicais, esse novo projeto nos apresentou um pop mais adocicado e ao mesmo tempo algo corajoso e valente. Essa mistura de emoção foi crucial para que as mulheres conseguissem ser representadas em sua música? Como você se define como mulher e como artista?
Acho que você conseguiu sentir um pouco do que eu quis trazer. A gente não perde nossa docilidade, nossa sensibilidade para ser forte, ou mesmo dura quando necessário, segura e corajosa. A gente é tudo isso junto. Por se tratarem das primeiras músicas, tentei trazer isso. É uma tarefa difícil, que vou aprimorando com o tempo, tanto na composição quanto no alinhamento da produção musical, onde o todo vai talvez resvalar no que poderia ser. Como somos complexas, a mensagem acaba ecoando diferente dentro de cada pessoa. E se isso der força para mais mulheres, já sinto que alcancei um objetivo.
Em meio ao sucesso de ‘Não (Not this kind of girl)’, uma parceria que também foi de grande valia para o resultado da música foi da produtora Vivian Kuczynski. Como foi a troca de vocês e em que mais se identificou no conceito musical?
A troca foi muito boa. A Vivian ouve, propõe, muda, defende, aceita e todo o processo foi natural e sem pressão Ela me deixou muito à vontade. Fez toda a diferença ter iniciado esse trabalho solo ao lado de uma mulher tão jovem e tão talentosa, e que sempre ressaltou que estávamos juntas nessa. Acho que isso foi o ponto forte. Mais do que nos identificarmos, acho que nos completamos. Ela com suas referências, eu com as minhas; e esse mix gerou algo nosso.
Antes do lançamento dessa nova música, Coragem havia aberto oficialmente a sua carreira na música como artista solo e hoje, você está expandindo ainda mais a sua sonoridade. Como enxerga os seus avanços entre um lançamento e outro e qual mensagem deseja transmitir através de sua arte?
Um lançamento foi próximo ao outro, o que já era previsto. Mas o que senti entre a primeira e a segunda música aconteceu uma mudança em mim. Quando você coloca sua música no mundo, ela fala muito de você e o retorno vem, positivo e negativo. Nesse momento, é hora de colocar tudo na balança, analisar, mudar. Mas acredito que essa mudança ocorre com o tempo, conforme forem acontecendo novos lançamentos e desafios. É o famoso ‘aprender com o processo’. Pra mim, a vida é pura contradição: vem doçura e acidez. Eu tento ser uma pessoa muito positiva, costumo ver o lado bom das coisas (ainda que veja o outro lado) e, de alguma forma, tento trazer isso com a música. Mesmo com uma letra forte ou reflexiva, a música é gostosa, dançante. De uma maneira ou de outra, procuro trazer estas contradições e contrastes naquilo que faço.
Além do estilo marcante, a música também deixou um rastro bastante marcante dos Anos 80, que ficou marcado pelos sintetizadores e experimentações eletrônicas. O que mais a atraiu para essa sonoridade tão específica e com o que mais se identificou com essa década?
Acho que ainda estou encontrando a minha sonoridade. Duas músicas é muito pouco pra dizer. Eu gosto de alguns estilos, mas tive um caminho musical que permaneceu por muito tempo nos anos 80. Minha banda autoral Paranoika, na qual fiquei por 12 anos, tinha como referência muita coisa dessa década. Também tive banda de anos 80, nacional e internacional. Eu nasci nos anos 80. Meus irmãos ouviam muita música dessa época. Eu estava rodeada por tudo isso, e tenho uma afeição, um prazer de ouvir synths e guitarrinhas características da década. Acho que foi natural trazer isso no som. Quando compus, eu já tinha feito uma pré-produção nessa vibe. Acho que minhas referências da época estão entre Depeche Mode, Madonna, New Order, The Smiths e outros.
Uma coisa bem legal é que além do sucesso que tem feito aqui no Brasil, a sua música já ganhou alcance internacional, passando pela Argentina, África do Sul e Holanda. Como foi a experiência tocando em solo estrangeiro e o que achou de conhecer as diferentes culturas?
Tocar fora do Brasil é completamente diferente. Primeiro por conta da língua, claro. Depois, porque são diferentes culturas. Na Holanda, por exemplo, fiquei surpresa porque as pessoas não costumavam dançar no show como aqui no Brasil. Ainda assim, muitas pessoas nos procuravam depois dos shows e mostravam seu carinho com o trabalho. Algumas me acompanham até hoje.
Fora do contexto musical, você também teve um grande destaque como atriz, participando inclusive do Festival Latino Americano de Artes em Londres, onde apresentou a peça ‘Cartas para Agnès’, além de escrever e atuar no curta-metragem ‘À Francesa’ e ter seu primeiro papel na televisão durante esse ano na série ‘Reis’ da Record TV. Como foi essa experiência na telinha e em que ponto o canto e a atuação se encontram em sua vida?
Quando comecei a atuar, foi justamente pra me sentir mais livre no palco, o que me ajudou muito. Houve um período que achei que as duas carreiras não podiam andar juntas, mas acho que hoje encontrei um equilíbrio. Meu primeiro trabalho na TV foi uma experiência maravilhosa. Saí de lá com vontade de mais, porque atuar é algo que eu amo, independente do veículo. E enquanto estava nos intervalos de gravação, compunha. Organizava meu cronograma de gravações e lançamentos das músicas. Aliás, a próxima música a ser lançada foi composta lá, no Rio de Janeiro, nos intervalos entre uma diária e outra. Agora, sobre um outro encontro das duas áreas: têm surgido muitas séries musicais. Já fiz alguns testes, mas ainda não rolou. Aí sim, poderia dizer que seria a combinação perfeita: atuar e cantar em um trabalho. Mas consigo levar as duas carreiras de uma maneira saudável, entendendo qual o momento para dar foco mais em uma ou em outra.
A respeito do propósito de representatividade feminina que passa em suas músicas, qual acredita ser o verdadeiro poder da música na função de contribuir para uma sociedade melhor?
Acho que toda arte tem o poder de mexer dentro de cada pessoa. Pra mim, a música é uma das artes mais potentes. Muitas vezes, você nem precisa da letra: você sente algo só com o instrumental. Você cria memórias e, quando ouve a música, a memória volta. Você se comunica com seus grupos através de identificação musical. A potência é enorme. Por isso também, a responsabilidade da comunicação do que se diz/canta. Ouvir alguém dizer: ‘escutar sua música de manhã me dá coragem de levantar e seguir batalhando’ ou depoimentos desse tipo, já me fazem acreditar que essa contribuição está chegando; que a música está tocando as pessoas de algum jeito. A música vai chegar de uma maneira ou de outra. Mas o que cada um vai sentir é individual. Sobre isso eu não tenho controle.
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