Marcelo Adnet revela motivos de ter exposto o caso de abuso sexual que sofreu: – Se ficar só guardado dentro da gente, é pior

Em entrevista ao jornal O Globo, Marcelo Adnet falou sobre vida profissional e pessoal, e comentou o caso de abuso sexual sofrido por ele. Aos 40 anos de idade, o artista está se aventurando na dramaturgia com o filme Nas Ondas da Fé, que estreia em dezembro nos cinemas e na trama, o ator interpreta um personagem que recorre a bicos para sustentar ele e a mulher, até que surge uma oportunidade de trabalho numa rádio evangélica e ele acaba virando pastor.

– Hickson é um menino muito bom, como a maioria dos jovens brasileiros. Está numa classe média baixa, perto da pobreza e vai topar tudo para sobreviver, botar uma máscara social qualquer para ter uma profissão, uma vida, um sustento. A gente é moldado por uma sociedade tão desigual e pressionada que é capaz de fazer coisas horríveis para cumprir nosso papel social. 

O artista também compartilha o que foi o mais difícil na transição da comédia para a dramaturgia.

– Não diria virada de chave, acho que é mais expansão de horizonte. O desafio é que, na comédia, entro em cena sabendo onde vou chegar, com controle da situação. Dificuldades e percalços até a conclusão da piada são planejados, vivo as emoções de maneira farsesca. Na dramaturgia, tenho que estar com a alma e os sentidos abertos, me deixar afetar. O grande barato é a falta de controle. A gente demora um tempo para entender que, ao contrário da comédia, em que o exagero cabe, na dramaturgia você tem que limpar. E a cena vai até onde vai a sua emoção. Tem vezes em que se emociona e diz “que bom”. Em outras, a emoção não vem. E você não pode se condenar. A Humanidade é assim: passamos por choques horríveis e, às vezes, não choramos.

O longa-metragem conta com participações de Tonico Pereira, Otávio Müller, Cristina Pereira e muitos outros. Durante o bate-papo, ele revela se buscou homenagear quem veio antes. 

– É meu primeiro projeto, no sentido de ser um argumento meu, ideia minha. Então, tinha isso de querer ter pessoas importantes para mim, meus companheiros de Zé (o espetáculo Zenas Improvisadas)… Tem a coisa afetiva, mas também a ideia de não ser apenas uma comédia, mas uma comédia em cima de uma narrativa. A maioria do elenco é de pessoas de humor que não necessariamente estão fazendo papéis engraçados. Tem esse resgate de dizer: O humor não é arte marginal, também conseguimos fazer outra coisa. Porque o humor é enxergado como algo menor e há essa tentativa de mostrar que ele pode estar presente nos mais diversos produtos, inclusive, nos de dramaturgia.

O famoso ainda fala sobre as transformações que a chegada da Alice provocou na sua vida.

– Faço tudo. Não sou pai de Instagram. Aliás, ali, sou menos pai. Acho mais interessante fazer do que mostrar. Principalmente por ela, que já está rechaçando foto. Também não vou ficar metendo a cara dela por aí. Vai que alguém fala: Que feia, vesga, gorda. Vou querer matar a pessoa (risos). O amor transforma completamente. É a primeira vez na vida que tenho uma coisa inadiável. Se tiver passando mal e ela chorar, vou ter que ir, não tenho escolha. Se fizer cocô, vou ter que limpar. Quando ela acaba o café, me sinto satisfeito e depois me toco que eu não comi. Botei outro ser humano na minha frente de verdade. Nos primeiros meses, a gente não quis babá e quase morrermos. Não conseguia produzir, trabalhar. Aguentamos uns seis meses. Mas não temos ninguém que dorme aqui, nem babá no fim de semana. Ela está com um ano e nove meses, me abraça, me puxa para jogar bola pede para eu cantar ia ia ô antes de dormir. Isso derrete meu coração. Antes de ela chegar eu tinha alguns planos para a vida. Agora, tenho outros.

Em seguida, revela quais são os seus maiores planos hoje.

– Meu maior plano é ser amigo dela. E tem uma coisa legal que é o fato de ela ser mulher. Tem aquilo de o homem querer ser pai de menino. Para mim, era tanto faz. Agora, digo: Que bom que foi uma menina. Porque hoje você tem a preocupação em criar menino, de dizer: Bicho, não vai fazer merda, não pode bater no outro, abusar. Menina é o contrário. Normalmente, está na posição de ser abusada e não de abusar. Então, tem um carinho com aquele ser. Ser mulher é uma coisa tão especial hoje. Essa paixão de pai, de me relacionar com ela, quase uma extensão de mim. Aquele corpinho que tenho que preservar, cuidar, secar, passar pomada. É uma coisa que te educa de uma forma… Te pega pelas tripas. E em um desafio de vida novo, que é: Como estar presente, ser um pai dedicado e manter uma vida pessoal e profissional acontecendo? É um novo paradigma de vida. Mas estou apaixonado e não lembro como era a vida sem ela.

Recentemente, David Junior fez uma publicação revelando ter sofrido abuso sexual, o que provocou outros homens a se abrirem. Marcelo Adnet acredita ser importante levantar mais debates. 

– A gente encoraja outras pessoas e cria uma consciência. Quando ninguém debate, vira um tabu, uma sombra, parece que o assunto não existe. É preciso coragem para falar. Ninguém é obrigado a vir a público. Pode ser doloroso demais. Mas quem tiver força, deve falar por para conscientizar.

E revelou que foi por esse motivo que decidiu também expor a sua dor.

– Mas também por um motivo pessoal, que é expurgar algo traumático. Botar para fora faz parte da superação. É quase um ponto final. Aconteceu isso e posso falar sobre, porque não me machuca nem me vitimiza. É parte da minha história também. Tem uma coisa de indivíduo, de fazer as pazes com aquilo no sentido de joga pro vento, passou, já era. Se ficar só guardado dentro da gente, é pior.

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